Carta aos andantes

Nayara Melo
5 min readDec 15, 2022

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Vez ou outra alguém conversa comigo, querendo saber sobre minha opinião sobre mudanças, e que estão pensando em se mudar. Há uns tempos atrás, eu até diria pra se jogar, ir com tudo. Eu sei como mudanças são importantes, e como me mudaram e me auxiliariam a amadurecer e a arriscar também. Esse é um texto pra você, meu amigo e amiga que tá pensando em se mudar.

E começo pedindo desculpas, se na hora que conversamos, eu fiquei: “É… Pense bem”, e continuo nesse lugar do “pense bem”. Por isso, vou contar um pouco como ocorreu pra mim, de acordo com a leitura que eu tenho hoje, sobre quem eu sou nisso tudo:

A minha primeira mudança aconteceu aos 17, para fazer universidade, eu não tive como escolher muitas coisas a respeito de como seria, e também não tive muito espaço pra cultivar o medo. Eu tinha que ir, se eu queria mudar a minha trajetória e cursar uma universidade, era necessário ir. Aquelas mensagens de “pobre não tem tempo pra desistir”, e foi mais ou menos por aí. Eu sabia a preciosidade que era aquela oportunidade, ter sido aprovada em um curso em uma universidade pública, não era o curso que eu queria, mas se eu desistisse eu sabia que pra minha família, seria custoso pagar um cursinho e eu poderia perder essa oportunidade que eu tinha conseguido. O desperdício de oportunidade não estava no meu vocabulário, e mesmo com uma condição mais confortável hoje, é extremamente difícil pra mim desistir de algo que eu consegui.

Fiz outro vestibular, já na graduação de Nutrição, fiz para Odontologia, que eu acreditava ser a melhor opção no momento. Eu só tranquei o curso de Nutrição, depois de matriculada em Odonto. Mais uma mudança, novamente as questões econômicas, eu fui morar “de favor” na casa de conhecidos, até conseguir organizar um dinheiro de aluguel e tudo mais. Nessa mudança, tem o espaço de 1 ano, de ir pra uma cidade, aprender a andar nela, fazer amigos, mudar novamente e começar tudo de novo.

Passei 7,5 anos em Recife, com muitas mudanças dentro da própria cidade, dividindo apartamento, morando só, pandemia, vai pra Gravatá, volta. Termina graduação, começa mestrado, perde bolsa, arruma trabalho. E eu estava estável em Recife, eu tenho amigos na cidade, eu tenho uma boa relação com a cultura, eu amo aquela cidade. Ao decidir mudar para Niterói, foi minha segunda mudança com conforto financeiro, escolha de casa, ter possibilidade de comprar móveis meus. Eu só tinha conseguido fazer isso, uma vez apenas em Recife, no meio de mais de 5 mudanças dentro da cidade.

Mudar pra Niterói, foi uma escolha afetiva e uma escolha pelo meu futuro profissional, e tudo isso tem acontecido. Eu amo ser casa com Lucas, e estou em um processo seletivo de doutorado, e por isso várias vezes disse que essa é a mudança mais bonita que fiz até agora em minha vida. Só que também percebi que há um cansaço em mim, depois de tantas mudanças, eu não tenho mais o fole da juventude de me arriscar mais, agora eu tô querendo um conforto, casa e cafezinho no fim do dia. E isso, termina sendo um descompasso com amigos meus que nunca se mudaram e pensam em fazer isso agora, nos seus 20 e poucos anos, sendo que na mesma idade eu já estou pedindo pausa nas minhas mudanças.

“Pense bem e saiba o que você quer”. A mudança é um processo de desnudar e se descobrir de novo, fazer coisas que antes eram tão automáticas e naturais, que agora vão exigir uma energia de descobrimento, de aprender um novo lugar pra cortar o cabelo, se acostumar com as formas, se propor a um novo desafio. Exige coragem, sim, mas também exige vulnerabilidade em se permitir ser tocada pelas pessoas e pelos ambientes. Eu entendo que da primeira vez, essa energia do novo nos move muito, e isso é muito gostoso.

Mas ultimamente, eu tenho olhado a mudança como uma negociação, por vezes essa atmosfera de ir para os centros de poder envolvem uma visão de não reconhecer os potenciais que os nosso locais de origem também tem. E essa pergunta é norte: O que é que você quer fazer? Quer expandir, crescer, conhecer novas pessoas? Então, se jogue, mas caso não, pense bem. Sempre haverá um lugar que é melhor do que o que estamos: “Ah! mas pra você fazer não sei o quê, você tem que ir pra não sei onde…” Sempre terá, e aí nesse ponto entra as negociações, do que queremos e do que vamos deixar de lado. Você pode viver se mudando, caminhando, fazendo mil coisas, pois cada lugar é único e oferece algo que só ele pode oferecer. Eu perdi o crescimento dos meus primos e irmãos, ao decidir fazer minha caminhada profissional. Eles também perderam essa minha caminhada para a vida adulta. São passos que escolhemos, se fosse para eu repetir tudo de novo, provavelmente, eu faria novamente, mudaria novamente…

Mas aí é esse o ponto, se o que queremos vale o que vamos negociar. Talvez sim, talvez não… Mas a gente só descobre indo, e também descobre ao voltar, mesmo que seja em rápidas visitas.

Eu entendo que boa parte das dificuldades que passei foram por questões econômicas e por ser negra. E com um pouco mais de maturidade do que antes, olho pra esse longo caminho percebendo que para outros, em diferentes condições, tantas mudanças não machucariam tanto assim, por serem mais tranquilas por não contar com esses condicionantes. Hoje, eu penso muito mais nos ambientes que vou me dispor, com quem quero fazer amigos e onde quero frequentar, pois tenho mais consciência onde serei melhor recebida ou não. Pra isso, é importante a gente se conhecer e se permitir em nossa medida, ser remodelado pelo lugar que estamos, e acima de tudo, é importante sempre ter pra onde voltar, um abraço pra receber, pra ser casa e acalentar quando não der certo.

Muito provavelmente, esse não é um texto cheio de floriados e belezas sobre as mudanças, mas é um texto com a realidade do que isso envolve. Cada mudança, é uma mudança, e cada lugar também tem o seu alívio e aprendizado, eu carrego um traço de cada lugar que morei, fruto único de quem muito andou e agradeço a Deus, pela permanência em cada processo.

No final, aprendi e compartilho com você, que a beleza está no agridoce. Boa sorte!

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Nayara Melo

Sobre mudanças, cidades, e uns textos aleatórios. De quem anda muito, um diário do meu interior