Domingo

Nayara Melo
3 min readSep 4, 2022

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Domingo é (meu) dia sagrado. Shalom.

Durante a graduação, vez ou outra sobrava estudos para o domingo, até que descobri que não estava fazendo muita diferença vender aquele dia para os estudos. E aos poucos, esse dia foi construído com a minha comunidade de fé, era o dia que eu via meus amigos, o dia que almoçava na rua, que passeava no recife antigo. Também era o dia que eu só deixava os acontecimentos passarem, e seguir em direção ao mar, sentir o vento transitar em mim.

Domingo se tornou o dia que sinto mais saudade. Quando recente de mudança, me vi novamente precisando construir um novo descanso que confortasse. Lucas me acolheu dos choros que soltei em todos os primeiros domingos, até que lembro de um dia olhar para ele e perceber que deixei de chorar no domingo.

Existe uma beleza na simplicidade da rotina, de ver como as coisas se repetem e são confortáveis. Eu amava pedir almoço na rio branco e escutar Hemilly contando sobre algum ponto de cultura, ou sobre como discordamos de não sei o quê, e no final concluir “não sei, sabe?”. E a gente não sabia mesmo, e continua inclusive, sem saber. Existe uma beleza no que se torna um ordinário de descanso, um anseio da semana, em ser encontro.

Precisei me encontrar novamente aos domingos. Antes de rua, por vezes, meus domingos, agora — domiciliares — me revelam a beleza de escutar a panela de pressão enquanto escrevo esse texto. Como eu e Lucas ficamos devaneando sobre o final do livro que faz quase um ano que estávamos lendo, e de dançar na sala enquanto ele me vê, ou sobre o violão em cada espera. Há beleza em somente estar e saber que não temos pressa para sair. Domingo se tornou o dia que ligo para meus pais, sempre na mesma sequência, pai e mãe. Lucas faz o almoço, ou diz que não posso levantar do sofá e ir pra cozinha. Assistimos alguma série de adolescentes ou de indianos, ou de indianos adolescentes. Fazemos algo cultural quando é do nosso interesse, quando não compartilhamos do mesmo espaço fazendo a mesma coisa ou diferentes ações, mas realmente o que queremos é olhar e ver o outro, ali ao alcance.

Como Beto Guedes canta que “tudo o que move é sagrado/[…] todo amor é sagrado”. Eu sinto falta do sagrado das ruas, dos meus amigos, meu bolso da alma se enche de saudade do vento e da música. Coleto meu bolso da alma e disponho minha saudade no oratório das minhas conversas e áudios trocados. Juntamente ofereço essa escrita no altar em agradecer o que tem se tornado meus domingos, uma construção conjunta de duas pessoas. Um caminho de permanência, de dança na sala, filmes que nos movem. E música.

Eu ainda não sei muito bem como traduzir a vida a dois, mas posso dizer que existe um sabor carnudo como caju, quando maduro escorre da boca o suco, e nos suja de um jeito bom, com noda e dedos doces. Morar com quem você ama é mais ou menos por aí, há um transbordar do outro, das rotinas, das mais simples ações que permitem reservar um dia para estar e permanecer sem muita programação, somente deixar o suco escorrer no canto da boca.

Domingo é sagrado de saudade e afago.

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Nayara Melo

Sobre mudanças, cidades, e uns textos aleatórios. De quem anda muito, um diário do meu interior