Retratos do meu interior

Nayara Melo
3 min readOct 31, 2022

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Eu cresci em uma cidade que a propaganda comum era que seria necessário sair dela para poder “ser alguém na vida”. O incentivo desse movimento aconteceu de diversas formas, minha mãe, escola, amigos… Para fazer faculdade de algum curso que não fosse licenciatura, era necessário sair de Gravatá. Uma cidade de 100 mil habitantes, concentrada em turismo, condomínio de luxo e comércio, e durante a adolescência era nítido cada vez mais que “aqui não tem nada para fazer”.

Gravatá, 2013. Ano de vestibular, já era certo, eu faria vestibular para uma cidade que não era Gravatá, e dessa forma ocorreu: Com 17 anos, fui morar em Maceió, com 18 fui para Recife. Maceió, cumpriu a função de me ambientar em uma cidade maior, em Recife dei de cara com uma metrópole realmente.

Recife, 2015. Muitas linhas de ônibus, pessoas muito ocupadas que quase não encontrava, a dificuldade de fazer vínculos, o cansaço, horas de trânsito… Contudo, me deparei com uma propaganda semelhante a que cresci, sendo um pouco mais repaginada, mais sofisticada.

O ensino superior, com todo o seu chá de rosas, vez ou outra surgia os comentários: “Ah, mas em São Paulo você consegue fazer isso melhor do que aqui”, “Ah, mas no laboratório de ….[Sudeste - sul] é bem melhor”. Eu estava em uma capital, mas uma capital no nordeste e isso não era o suficiente… Pois parece que nos é ensinado o tempo todo, que a gente é pequeno, atrasado, acanhado. É sempre necessário sair, ser retirante.

Rio de Janeiro, 2022. Ensino superior, novamente, aulas, centros com muito dinheiro em relação ao que eu estudava em Recife. Mas uma coisa que eu descobri, é que eu não estava atrás e atrasada, a minha universidade pública era boa, muito boa e tinha me formado muito bem. Essa conversa de precisar sair, era uma história que aqui também existe, sendo que agora é necessário sair para São Paulo, ou fora do Brasil.

No meio disso tudo, voltei ao meu interior. Gravatá, fui na zona rural, em uma estufa de flores, subi a serra a ponto de ver outra cidade, eu vi a pobreza, que eles dizem, mas também vi a riqueza, que os de casa veem. Existe um conhecimento, uma forma de existência muito dedicada e externa aos livros, existe uma beleza no cultivo de terra, que não me ensinaram a valorizar, eu tive que sair pra ver. Enquanto, as tantas pessoas a minha volta, diziam que eu ia me descobrir, e aprender cada vez mais ao sair e valorizar o externo, a próxima cidade, o próximo estado… Sair me ensinou a olhar para dentro e saber que tudo isso que eu tinha, é rico demais e infelizmente, boa parte das pessoas não irão entender.

Os olhos tanto de olhar pra fora, esquecidos de ver por dentro, voltei ao meu interior — local e emocional — a saber que meus tantos costumes orais, de reverência e benção, de comida e afeto, são frutos desses caminhos. São ricos desse caminho, conheço o meu lugar.

Provavelmente, esse seja um texto de fazer justiça a Gravatá e colocar a cidade em um ponto importante nisso tudo, eu saí dela, mas ela me fez. Toda vez que passo na central, e vejo que tem uma lanchonete “gravatá”, penso em perguntar quem é o dono, e saber de quem ele é filho. Um costume que tanto me deixava incomodada, hoje me revela a beleza de “ser” por pertencer e descender de alguém, e não “ser” por fazer algo e pelos inúmeros títulos, ou profissões.

Dessa forma, encerro aqui, me apresentando como há muito tempo deixei de fazer: Eu sou Nayara, neta de Pessoa da Celpe, neta de Irmã Neide da Siqueira Campos, filha de Carlinhos da Flor e Andréa que é professora. Eu sou do caminho deles, e eles do caminho que fiz.

Região da Limeira em Gravatá, Pernambuco

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Nayara Melo

Sobre mudanças, cidades, e uns textos aleatórios. De quem anda muito, um diário do meu interior