Sol em Leão

“Pra quem nasceu em Japaranduba, até que eu cheguei longe”

Nayara Melo
3 min readJul 26, 2022

Adão. Talvez seja um bom começo, começar pelo princípio das coisas. Eu nunca fui muito de horóscopo, principalmente por ter tido uma criação evangélica, esses conhecimentos eram inibidos e desvalorizados. Mas no andar das coisas, vamos tropeçando em pessoas até que das várias experiências religiosas ou de espiritualidade, leitura de mundo e entre outros, me deparei com Adão lendo a minha revolução solar. Nela, estavam a minha mudança, também que daria um passo importante no relacionamento e que seria um ano estratégico para meu trabalho, que exigiria mais de mim.

Tudo isso aconteceu, não porque ele me disse, mas porque as águas simplesmente rolaram e desembocaram no mar e quando olhei para trás, vi que os pontos se encontraram. Essas situações abriram um caminho de visitar e ler sobre astrologia, não sei como ainda encaixar esses fatos e conhecimentos. Mas, no meio de tudo isso, sei que saber que mercúrio estava retrógrado e deveria ter me poupado mais, ajudou muito nos dias que estava mais molinha.

Hoje, escutei meu horoscopinho semanal e fui avisada sobre o sol em leão, em como me sentiria compreendida e revisitando minhas emoções, e que saturno está retrógrado até chegar em peixes, e isso me deixaria mais reflexiva. Talvez, toda essa conversa de horóscopo seja uma grande representação, como Maria Emília escreve em sua newsletter, uma representação de me enxergar no processo. Talvez seja como Adão disse, que os astros funcionam como um espelho do que acontece na terra e esses movimentos se ordenam como reflexos um do outro. Talvez.

Meu pai é um sol em leão, provavelmente um dos raios desse sol, é fogo como o próprio signo, amostrado, aparece, fala alto, reclama, fogo nos olhos e nos bolsonaristas. Ele nasceu no primeiro dia de leão, eu sou gêmeos quase câncer, fico no interlúdio dos dois signos, no fim de uma estação e começo de outra. Gêmeos se reconhece em Leão, são signos problemáticos, de falar, agir, de olhos altivos. Eu me sinto mais compreendida em meu pai, em como ele sabe que preciso viajar para espairecer a cabeça, em como eu tenho raiva e gosto de correr.

Ele viajou dois dias e meio dirigindo e atravessando 3 estados para saber se eu estava bem, se a casa que resido é boa, ele entrou e quase não sentou na cadeira, entrou em todos os quartos, varreu tudo com os olhos, quando terminou a vistoria, lembrou de comer. Mesmo assim, vi como seus olhos percorriam o segundo bocal da sala, não precisamos de duas lâmpadas e está vazio. Eu não consigo planejar nada muito certo com ele, porque ele muda, se fizemos um esquema de passeios, ele muda tudo. É autônomo demais, da mesma forma como escutei “independente demais”.

Como sol, suas filhas orbitam a sua presença. Eu convivo com as ausências de meu pai desde a infância, com suas viagens e suas loucuras e autonomias, e ainda me surpreendo em como ele se faz presente. Ele fez quase todas as minhas mudanças em Recife, e desfez uma mudança quando não gostou do apartamento. Ele sempre me encontra no movimento, na estrada, na viagem.

Eu amo ver meu pai existindo, reclamando, mandando o povo se lascar, dizendo que o slogan do governo, na verdade é “tudo em cima de deus”. Vejo a criatividade maliciosa da sobrevivência, de quem nasceu em zona rural, e levantava de cinco horas para buscar água. Ele sabe que só se vive uma vez, e por isso vive dessa forma, o maior medo dele é de não conseguir andar e não de morrer. Eu já vi várias quase mortes dele, de acidente de carro a atropelamento. Sempre o movimento. E nesses momentos, vi o medo nos olhos, não da morte, mas de não conseguir mover.

Provavelmente, já estou em peixes, olhando para dentro e revisitando meus sentimentos de compreensão e descompressão. Receber meu pai em casa, tê-lo em minha mesa, tomando café, cantando parabéns, foi um presente que ele me deu, de me ver através do sol dele, de ser compreendida, e não precisar me explicar. Poderia passar horas descrevendo suas palavras e erros, minhas decepções e os choros, e talvez por isso que me apegue tanto a fabilidade dele, pois a nossa humanidade se encontra assim: no movimento e no risco.

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Nayara Melo

Sobre mudanças, cidades, e uns textos aleatórios. De quem anda muito, um diário do meu interior